Este é um relato pessoal e verdadeiro. Reflete apenas minha experiência pessoal e impressões que tive durante a gravidez e parto do meu filho na Itália.

Ter um filho é uma das mais importantes decisões que uma pessoa pode tomar na vida, senão a mais importante.

Antes de expandir a família, muitas questões são levantadas, como a mudança permanente (ou por muitos anos) de estilo de vida – já não será possível ter a liberdade de antes para viajar, sair, passear, ir a um barzinho, por exemplo, como uma pessoa sem filho; o aumento de despesas crescente com o próprio crescimento e diferentes necessidades da criança com alimentação, educação e diversão.

Se a decisão de ter um filho já traz tantas questões, decidir ter um filho no exterior é ainda mais complicado.

Ter um filho em outro país, como a Itália, pode parecer muito atrativo para quem estiver em busca de um lugar seguro com saúde pública e educação de qualidade. Mas por outro lado, não ter família e amigos por perto em um momento tão importante, e que quando toda a ajuda é bem vinda, pode ser bem desafiador, difícil e solitário.

É com essa introdução que venho aqui contar minha experiência pessoal de como é ter um filho na Itália.

Como tudo começou

Já vivia na Itália desde 2019, quando na segunda metade de 2020 decidimos, meu marido e eu, que era o momento certo de termos um bebê. Em dezembro de 2020 descobri que já estava grávida de algumas semanas.

Naquele momento, a Itália estava se recuperando de um ano muito difícil, devido à pandemia. Esse fato acabou influenciando todo o rumo da minha gravidez. Muito provavelmente, as coisas teriam sido diferentes em uma outra época.

Procurando assistência médica

Assim que descobri a gravidez, fui ao medico di base (médico de família – clique aqui e saiba mais como funciona a saúde na Itália) e pedi um encaminhamento para um ginecologista. Assim ele o fez, porém, mesmo com muita insistência, ligando todos os dias, eu não conseguia vaga com nenhum ginecologista, sem nem prazo para conseguir consulta, mesmo estando grávida.

Uma surpresa desagradável 

As coisas começaram a tomar rumo, mesmo que difícil, quando tive um sangramento algumas semanas depois da descoberta da gravidez e fui parar no hospital na véspera de Natal. Lá, o médico não viu o embrião, apesar dos testes terem dado positivo e pediu que eu voltasse em alguns dias.

Com toda a preocupação do mundo, ainda assim, fui para casa e voltei ao hospital na data marcada. Fui atendida por uma médica que disse que minha gestação era anembrionária (que não tinha embrião), pediu mais exames para confirmar o diagnóstico para dar entrada nos procedimentos de curetagem (limpeza do útero). 

Eu não estava entendendo bem o que estava acontecendo, a médica não se deu ao trabalho de nem ao menos me explicar. Como assim não estava grávida? A médica me tratou com frieza e indiferença, me tratou como uma desconpensada quando comecei a chorar. Em um momento em que eu acabava de descobrir que minha gravidez não tinha ido para frente, fui tratada desse modo tão duro.

Diferenças culturais

Foi aí que descobri um comportamento italiano que é bem diferente do brasileiro e que viria a se repetir – na Itália (pelo menos onde vivo) e em alguns outros lugares da Europa, as gravidezes iniciais não são tratadas com tanta “seriedade”. Pelo que pude entender, devido ao alto índice de perdas gestacionais nos primeiros três meses, uma gravidez é vista como algo que vai gerar uma criança “de fato” somente a partir do segundo trimestre.

No final, o tratamento duro e frio da profissional da saúde foram desnecessários e só trouxeram uma dor que não existia, pois os exames acusaram que a gravidez seguia adiante, como outro médico do hospital atestou no mesmo dia e pude já ouvir o coraçãozinho que batia.

O pré-natal

Devido à dificuldade em conseguir uma consulta com um ginecologista do sistema público, comecei a fazer o pré-natal com o segundo médico que me atendeu no hospital, porém, em seu consultório particular. As consultas eram mensais e não eram nada baratas, mas não tive outra alternativa naquele momento e não podia esperar surgir uma consulta no sistema público, uma gravidez não espera!

Não ficou claro se a falta de consultas com ginecologistas públicos era devido à pandemia ou se é algo recorrente na província onde vivo (clique aqui para ler sobre a diferença entre comune, província e região).

Apesar de as consultas terem sido particulares, os exames foram feitos pela ASL (Azienda Sanitaria Locale), o “SUS italiano”. Na Itália, mesmo se consultando com médicos privados, é possível realizar exames pela “mutua” (sistema público). Os exames não são gratuitos, mas é cobrado um preço baixo por eles (muito menor do que se fosse particular) e, caso o seu rendimento familiar seja baixo e comprovado pelo ISEE (espécie de atestado emitido pelo governo comprovando sua situação econômica de acordo com sua declaração de bens e ganhos anuais), você não paga nada por eles! 

A cada consulta, o médico pedia para que fosse realizado exames de urina e toxoplasmose, assim como no Brasil.

Também foram pedidos exame de glicemia e dois exames detalhados de ultrassonografia foram realizados (fora as ultrassonografias que eram feitas a cada consulta). Isso tudo bem semelhante ao que é feito no Brasil. 

Mais tratamento duro

Outra diferença cultural entre Itália e Brasil me chamou bastante a atenção.

No Brasil, existe prioridade para grávidas em todos os lugares, inclusive vagas para estacionamento especiais para quem estiver levando um barrigão. Mesmo onde grávidas não têm preferência por lei, ainda assim as próprias pessoas fazem a gentileza em ajudar, vendo a sua dificuldade.

Na Itália, pelo menos onde eu moro, as grávidas não têm prioridade em quase nada e quando têm, o seu direito é ignorado.

Para fazer exames, como de sangue,  as grávidas devem esperar com todas as outras pessoas, em pé e em filas. Nem os trabalhadores do local, nem as pessoas da fila oferecem para que a grávida passe na frente, nem que se sente. Mesmo com um barrigão de 9 meses, ninguém se compadece não!

Em lugares onde grávidas têm prioridade, as pessoas que deveriam atender acabam as ignorando e não respeitando esse direito.

Isso foi algo que me chocou muito. 

Quando tive a oportunidade, conversei com uma grávida que não era da região, ela também era estrangeira. Comentei sobre esse aspecto, pois já estava pensando que era pessoal, e ela disse que aqui o mesmo acontecia com ela, que também não era bem tratada. 

Inclusive, disse que em algumas ocasiões foi cortada em filas por estar grávida e ainda ter uma criança pequena e não ter sido ágil o suficiente para reivindicar seu lugar! Segundo ela, isso parecia ser uma característica do individualismo da localidade onde vivemos, mas algo bem desagradável.

A boa hora

A hora do parto estava chegando e meu desespero aumentando. Não sei se tinha mais medo da dor do parto ou de como seria no hospital.

Comecei a sentir as contrações durante a noite, mas fui ao hospital apenas na manhã do dia seguinte, não queria ir por um alarme falso.

Lá, a ginecologista de plantão estourou minha bolsa e já fiquei internada. As dores eram insuportáveis e comecei a implorar por uma anestesia.

A enfermeira chefe veio e disse que meu parto seria natural, ou seja, parto normal sem anestesia, pois não havia nada na minha ficha sobre isso e o anestesista não havia sido informado.

Eu disse que queria SIM anestesia e que não tinha dito nada sobre o assunto simplesmente porque ninguém havia me falado. Mesmo meu ginecologista sendo o diretor do setor de obstetrícia do hospital, ele não informou nada a mim, nem ao hospital.

O que eu sentia era um misto de desespero e desapontamento.

Sofri durante horas, até conseguirem uma anestesista que me atendeu e me aplicou a santa anestesia.

Durante todo esses procedimentos, que levaram horas, eu passei tendo contrações com máscara, pois era tempos de pandemia e o exame negativo ainda não tinha saído. Era insuportável.

Também passei por tudo sozinha, pois o acompanhante tinha que aguardar o resultado do teste fora do hospital.

Quando tudo melhora

Daí por diante, as coisas melhoraram. A enfermagem foi extremamente gentil e prestativa, foi algo que não esperava. Uma surpresa maravilhosa.

O parto evoluiu para uma cesária, mas resolveram fazer o procedimento APENAS quando perceberam que não havia mais solução. Os partos cesários são extremamente raros na rede pública e destinados apenas para emergências. Não se pode escolher o tipo de parto que quer.

Após o nascimento, ficamos internados por mais seis dias, por medo de infecção. O tratamento foi muito cuidadoso e o bebê tratado om muita atenção e carinho.

As refeições eram muito bem servidas, nada de comidinha de hospital. No almoço, todos os dias tinha opção de três pratos principais!

Depois que voltamos para casa, ainda voltamos ao mesmo hospital algumas vezes para procedimentos com umbigo, dicas de amamentação e outras coisas. Sempre fomos atendidos muito bem.

Após o nascimento do meu filho, o tratamento mudou. As pessoas parecem muito mais gentis, aparecem sorrisos de rostos que antes eram duros. A vinda de uma nova vida amolece até os mais duros dos corações.

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